29 de julho de 2008

Entre Quatro Paredes

“Na educação, fracassos são mais importantes que sucessos. Nada é mais triste que uma história de sucessos”. A frase é do livro “O Ouvido Pensante”, de Murray Schafer, e foi apresentada pelo professor de cinema da FAAP Flávio Brito, na primeira reunião entre Mnemocine e voluntários que aconteceu esse domingo na sede da ONG. Reunião esta que marca também o retorno de um dos “primatas” da Oficina de Cinema do Projeto Vida Nova, Rodrigo Serafino.

Enquanto a reunião acontecia, apenas os professores do curso de Fotografia ficaram com os alunos. Como não estávamos presentes, não tem como contar como foi. Após a aula, conforme combinado e acertado com as crianças, com mais de uma semana de antecedência, houve uma exibição de dois curtas de animação, um sobre lendas nacionais e outro, a arte de contar histórias. O objetivo, integrar voluntários, professores, alunos e famílias destes. Mais a frente, retomarei esse assunto.

Na reunião, Samuel, Mauro, Rodrigo, Thais, Fabi e eu (mais tarde, chegaria Marina), trocamos idéias sobre técnicas pedagógicas e sobre a Lei Rouanet (o nosso projeto fica pronto no próximo mês), entre outros assuntos, com Flávio, o consultor pedagógico da Mnemocine. Aprendemos bastante e vimos, novamente, no grupo uma possível duradoura parceria. Mas são inevitáveis perguntas do tipo “será que chegaremos a esse nível?” (me refiro às oficinas citadas na reunião e outras grandes que vemos por aí), “como faremos isso?”. Escrevo isso sozinho, não falo pelos outros voluntários. Vejo em tantos projetos nomes como o da Petrobras, Votorantin, para citar as mais conhecidas, e penso o quanto inatingível isso parece ser. Invejosamente falando, baixando o nível, eu poderia muito bem dizer “assim, até eu”. Que feio. De qualquer forma, o saldo da reunião foi extremamente positivo. Com o tempo, postaremos aqui nossos planos e do que correremos atrás nos próximos meses com mais cuidado nas próximas semanas.

Ao contrário do otimismo predominante no blog, resolvi hoje registrar também o meu medo. De fato, esse sentimento já foi apresentado aqui, mas sempre precedendo alguma resposta positiva. E hoje realmente não posso garantir essa resposta, exceto uma ligação milagrosa no meio da escrita ou, quem sabe, o meu bom senso aponte o lado bom das coisas. Lado que costuma ser menosprezado.

Temos algumas dúvidas que lidamos diariamente. Qual será o próximo passo até o grande projeto? Quais recursos nós usaremos até lá? Qual o próximo tema a ser discutido? Como abordar? Quem, dentre alunos e professores voluntários, ficará até o fim? Estamos nos esforçando o bastante? E o mais importante, sem dúvida: farão essas coisas diferença na vida das crianças? Mas essas, de tanto procurarmos respostas e, temporariamente, encontrarmos, não nos causam mais desânimo. Mas no último domingo, um triste acontecimento serviu para mostrar um (para nós) novo problema; lembra da exibição que falei ali atrás, para integrar professores, voluntários e família dos alunos? Chegado o fim da aula, apenas uma mãe compareceu à programação.

Quando as crianças se animam, quando firmamos uma equipe na mesma sintonia, quando um reforço retorna, quando problemas pessoais são suportados, quando conseguimos recursos para aula de fotografia, acabamos nos esbarrando num problema lá dentro das casas de nossos alunos. Não estou aqui escrevendo revoltado com esses pais. É fato que, quando percebi, fiquei indignado, claro, mas essa revolta foi trocada por um medo de como lidar com essa emergente situação. E, pensando bem, fomos ingênuos de não perceber isso antes. A verdade é que não temos, crianças e voluntários, um apoio essencial desde o começo do projeto. Não quero generalizar, não sei o motivo de cada ausência, mas UMA mãe, em uma tarde de domingo?

Vem-me à memória a mãe de uma aluna, quando fomos apresentar o projeto de Fotografia a todos os pais. “Mas o quê minha filha ganha com isso?”, ela disse. “Antigamente, a ONG dava brindes, brinquedos, comida. Nunca mais deram”. Vimos que se a necessidade dos pais é imediata, a dos filhos destes é ainda mais. E um grupo de “playboy” chegando de pára-quedas anunciando uma aula de fotografia não parece atrair a atenção deles. Não os culpo, é sério. Não vou me delongar, colocando minha opinião sobre o quão mais embaixo esse buraco é. Se é política, cultura, educação, preconceito das partes envolvidas ou tudo isso e mais um pouco, não sei, mas um dos nossos objetivos esse semestre será deixar claro a estas famílias o quanto esse trabalho é importante e o quanto o seu apoio é necessário.

O bom senso me mostrou, ali, ali no meio, entre nós professores/voluntários e pais preocupados com o aqui e agora, aqueles meninos. Não é novidade que pérolas como “entra pra casa, filha da puta”, “vou quebrar sua boca na porrada” ou “não vai praquela merda de ONG, enquanto não terminar de arrumar sua casa” seja comum na vida das crianças – uma volta na comunidade, e frases mais criativas que essas são fáceis de ouvir. E não é mentira que soltar pipa em pleno mês de férias seja mais agradável que sentar por duas ou três horas pra aprender um pouco de fotografia, roteiro ou teatro. Por sinal, no mês de julho, não só continuamos com as aulas de sábado, como inserimos aos domingo o curso de fotografia. Ainda assim, aproximadamente 20, das 25 crianças inscritas na Oficina, compareceram em todas as aulas em julho, férias escolares e das outras oficinas da ONG.

Como já foi escrito aqui diversas vezes, não foi fácil chegar onde estamos. Mas graças aos fracassos, com o perdão do clichê, aprendemos. Tão importante quanto o diploma e a leitura dos trilhantes desse caminho, é a experiência. De fato, estamos um pouco longe da linha de chegada. Aliás, até onde pretendemos chegar se tornou uma incógnita, pois quanto mais andamos mais sentimos o quanto mais longe podemos chegar, não por nós (“jura?”), mas por essas crianças.

25 de julho de 2008

Primeira Aula de Fotografia (Vídeo)

Abaixo, um vídeo postado no YouTube pela galera da Mnemocine. Esse foi o primeiro dia na Oficina de Fotografia.

Para ler mais sobre esse primeiro dia, cliquei aqui.




Um obrigado aos voluntários, ao pessoal ponta firme da Mnemocine e a Sonae pelo apoio.

Beijo a todos.

5 de julho de 2008

Agora vai...

Mesmo em clima de férias, os adolescentes da Oficina de Cinema puderam, neste sábado, concluir a terceira etapa da produção do curta metragem, que incluía o término do roteiro, assim como definição do elenco, diretores, cinegrafistas, figurino e locações. A idéia era aproveitar as férias escolares e deixar tudo pronto para os ensaios e a filmagem que começarão na próxima semana.

A atividade começou com uma dinâmica sobre as cegueiras da vida. Escolhemos dois alunos e lhes demos a instrução de segurar um bastão de jornal e ficar com olhos vendados. Quem acertasse o outro mais vezes seria o campeão. No meio da prova, retiramos a venda de apenas um deles, sem o conhecimento do outro, criando um quadro desigual. Através desse quadro, assistido por todos da oficina, pudemos discutir sobre as injustiças que nos cercam, coisas do cotidiano que nos chegam e sobre a verdadeira cegueira.

A atividade seguiu com a finalização do roteiro. Para quem não acompanhou os posts recentes sobre a Oficina de Cinema, estamos produzindo dois filmes (curta metragem) baseados naquilo que foi aprendido durante uma palestra sobre educação sexual. O vídeo está sendo produzido pelos alunos que durante o semestre tiveram aulas de criatividade, criação de personagens e desenvolvimento de roteiro. O primeiro vídeo fala sobre o uso da camisinha, enquanto o segundo trata do aborto e suas conseqüências.

A definição dos personagens e das tarefas nos possibilitou introduzir as noções básicas de filmagem para os cinegrafistas (Yasmim, Wagner e Vítor). Após um breve treinamento, eles já partiram para ação e começaram a filmar um making off com imagens dos ensaios e dos bastidores.

Mesmo com um número reduzido de alunos em função das férias escolares, a atividade foi bastante produtiva. Ao olharmos para aqueles adolescentes comprometidos e animados com a criação do roteiro, com a história, com a possibilidade de passar uma idéia através das câmeras, não pudemos deixar de lembrar do início, quando parecíamos implorar por atenção e envolvimento. O empenho de todos da Oficina de Cinema nos animou bastante para a produção dos curtas e para buscarmos, cada vez mais, idéias e temas que possam mudar a vida desses jovens através da arte do cinema.

"Creio no Cinema, arte muda, filha da Imagem, elemento original de poesia e plástica infinitas, célula simples de duração efêmera e livremente multiplicável. Creio no Cinema, meio de expressão total em seu poder transmissor e sua capacidade de emoção, possuidor de uma forma própria que lhe é imanente e que, contendo todas as outras, nada lhes deve. Creio no Cinema puro, branco e preto, linguagem universal de alto valor sugestivo, rico na liberalidade e poder de evocação."
Vinicius de Moraes

Até a próxima semana!

1 de julho de 2008

29/06 Um grande dia para OC do Projeto Vida Nova!

Enfim chegou o grande dia, um dia que para muitos não soaria como algo tão grande, por sinal, numa análise fria, poderia ser considerado até como um dia medíocre. Mas para nós, voluntários e adolescentes da Oficina de Cinema, com certeza UM GRANDE DIA!

Neste último domingo, 29/06/2008, teve início a oficina de fotografia para os adolescentes da Oficina de Cinema do projeto VIDA NOVA.

Para que você que está lendo possa entender a razão de havermos considerado o último domingo UM GRANDE DIA, vou explicar um pouquinho de nossa trajetória até chegarmos no dia 29/06.

Do meio para o fim do ano passado, o Projeto Vida Nova se viu perante um grande dilema. “Como atrair os adolescentes que se mostram cada vez mais desinteressados pelas atividades do Projeto?” Foi quando alguns dos dirigentes tiveram a idéia de chamar alguns voluntários para iniciarem uma oficina de cinema.

Sem recursos para bancar professores profissionais, os dirigentes da ONG buscaram entre seus amigos aqueles que demonstravam um interesse especial pelo cinema, ainda que por hobby, para que pudessem dirigir a oficina que iria se iniciar. Nessa busca, toparam com o Fagner, que prontamente se dispôs a formar uma equipe para estabelecer uma oficina de cinema dentro do Projeto Vida Nova.

O desafio estava lançado, e a pessoa que vos escreve ainda nem sonhava em participar do projeto, mas soube através dos relatos que a missão não foi nada fácil. A falta de comprometimento de alguns voluntários, a decepção com algumas pessoas que pareciam ser confiáveis, a falta de experiência dos voluntários comprometidos, a apatia dos adolescentes e a falta de recursos eram, certamente, dentre outros fatores, os principais adversários para que a Oficina de Cinema pudesse deslanchar.

Entre trancos e barrancos, e com aparentemente maiores derrotas do que vitórias, alguns voluntários persistiram rumo ao alvo de ver a Oficina de Cinema transformando a vida dos adolescentes do Projeto. Foi quando um desses sonhadores, Fagner, no começo do ano me chamou para fazer parte do grupo.

Fiquei muito empolgado, mas logo me intimidei na presença de adversários tão grandes. Mas incentivado por aqueles que ali estavam a mais tempo e pela vontade de ver adolescentes tão especiais tendo a oportunidade de modificar a própria realidade, eu e os demais voluntários, embora em franca desvantagem, iniciamos o combate, com fé de que, de algum modo, no meio da luta, receberíamos a ajuda necessária para vencer.

E foi o que ocorreu, após um difícil trabalho de conscientização dos adolescentes sobre a necessidade de se comprometer com algo que lhes traria benefício, fomos atrás de profissionais qualificados para introduzir os adolescentes ao mundo do cinema e suas técnicas. Foi quando cruzamos o caminho do pessoal da Mnemocine (indicação de Rodrigo Serafino, um doas voluntários precursores da Oficina).

Acostumados com projetos dentro do terceiro setor, os professores da Mnemocine nos aconselharam a iniciar a Oficina com um módulo de fotografia, preparando os adolescentes para uma próxima oficina de vídeo, para depois uma de áudio e assim sucessivamente. Fizeram um orçamento para a execução das aulas, e a luta em busca de recursos, talvez um dos maiores inimigos, se iniciou.

Todos os voluntários iniciaram a busca. Um amigo aqui, um parente ali, um dirigente da empresa lá, e nada de conseguirmos fechar o valor, e quando pensávamos que não iríamos conseguir, a ajuda que falei a pouco, aquela que tínhamos fé que viria, enfim nos alcançou.

A empresa Sonae Sierra, administradora de shoppings centers, onde o voluntário Fagner trabalha, aprovou o projeto da Oficina de Fotografia que lhe foi apresentado, assumindo a responsabilidade pelo pagamento dos três meses integrais de curso. Nossa felicidade estava quase completa. Mas ainda nos restava a incerteza de saber se as crianças abraçariam ou não a idéia e se apareceriam no curso que se iniciaria no dia 29/06, último domingo.

Após visitas pessoais por nós realizadas na favela, onde comunicamos os pais sobre o curso que se iniciaria, além do constante incentivo à participação no curso de fotografia durante os sábados, para nossa agora completa alegria, os adolescentes apareceram em peso, empolgados para aprenderem a tirar fotos.

Em um domingo lindo e ensolarado, um marco para a Oficina de Cinema. Após alguns meses de aparentes derrotas, vimos que não foi em vão todo o esforço que empregamos, e enfim, a Oficina de Cinema do Projeto Vida Nova parecia, ali, bem diante de nossos olhos, começar a funcionar.

Tivemos a primeira saída para fotografar a comunidade, e o objetivo era que as crianças fotografassem algo que representasse o bairro. Essa atividade, de certa forma, fez com que as crianças enxergassem ou percebessem algumas coisas presentes em seu cotidiano que às vezes passam por alto na correria do dia a dia. Coisas boas e coisas ruins, um córrego poluído infestado de ratos ou uma obra de arte desenhada em um muro, o lixo jogado por toda a parte ou o sorriso de uma mãe na janela de sua casa, e um senso crítico da própria realidade parece estar se despertando de seu sono. Um passo firme rumo à transformação.

No final da aula, tivemos ainda a oportunidade de ouvir os depoimentos a respeito daquela primeira experiência com a fotografia, e foi impossível não se emocionar ao ouvir frases como “foi muito melhor aprender sobre fotografia do que ficar na rua fazendo besteira” ou ainda “obrigado por esta oportunidade”. Mal sabem eles que nós é que seremos sempre gratos pela oportunidade que nos dão de aprender a, enfim, viver de um modo que faça sentido.

No decorrer deste texto você tem a grande oportunidade de, emprimeira mão, ver algumas das fotos tiradas pelos adolescentes neste domingo, na tentativa de expressar a sua visão da própria realidade.

É só o início da reviravolta na grande batalha em que estamos inseridos, a inimizade da desigualdade, da revolta, da violência e da falta de recursos ainda tentará nos dar o troco, estamos cientes disso, mas estamos seguros que nesse momento, poderemos contar com ajuda, primeiramente de Deus, depois de pessoas e empresas que estejam dispostas a mudar o rumo natural das coisas.

Fica aqui nosso agradecimento à empresa Sonae Sierra por ter se disposto a nos ajudar nessa luta contra a desigualdade,miséria e violência. Vocês estão fazendo uma profunda diferença na vida de muitos.