Agora, eram três carros. Todos com um pouquinho de suprimento. Chegaram ao centro e em alguns minutos o primeiro carro ligava ao outro de trás. Sua parte havia acabado e, por ser tarde, voltavam para casa. “Vai faltar muito lanche”, o restante pôde perceber. Não estavam errados. Se outrora se procurava a quem dar, dessa vez tropeçava-se neles, à medida que o grupo se aproximava do marco zero da cidade.
Próximo à Prestes Maia, um homem magro estava com um dos braços estendidos, parado, sem camisa, olhando pra sua “casa” de papelão e plástico, como se mirasse onde pretendia ir. Os carros pararam. Uma das garotas, passageira do terceiro carro, descia apressada. Disseram pra esperar, um homem seria mais seguro. O motorista do segundo carro desceu com o lanche. O irmão deste, o cinegrafista, com medo, esquece a câmera e acompanha o entregador. Que homem era aquele? Quem seria? Um louco? Drogado? Bêbado? Ou tudo isso? “Senhor, trouxe um lanche para o senhor”, dizia o motorista. Ignorado, tentou novamente. E outra vez e mais uma. Aquele homem agora voltava lentamente para aquilo que chamava de leito. Sem dar nenhuma palavra, sem virar o rosto, sem nem se interessar pelo lanche. Como que desistindo, o motorista deu as costas, parou e voltou. Agora, o senhor, ainda com dificuldades para se equilibrar, se acomodava. O crack em suas mãos era possível notar. “Trouxe um lanche para o senhor, para tirar sua fome”, tentou mais uma vez. Já estava tomado pelo horror da cena quando descarregou “um lanche senhor, larga essa merda, ela vai te matar, larga essa merda” e deixou a refeição ao lado do homem. “Não importa se é bêbado, drogado ou se ele acha que quer ficar ali, é um humano vivendo como um cão. É simples!”, disse o motorista quando voltou ao carro, fazendo referência a tantas desculpas usadas ao se deparar com um pedinte.
No caminho, seguindo para a Praça João Mendes, encontraram mais quatro simpáticos moradores da rua embaixo de um viaduto. 200 metros dali, um punhado de jovens se amontoavam em frente a uma casa de dança. Não é sensacionalismo afirmar que surdos somos para não notarmos o grito silencioso daqueles que precisam de ajuda. Estão do nosso lado todos os dias. De tão cegos, tropeçamos neles e continuamos a fazer nada.
Chegaram à praça do fórum, onde entregaram os últimos sanduíches e sucos. Um casal bonito e bem cuidado dormia aconchegado à porta do prédio. Imagem tão linda quanto curiosa. Na volta, não sabiam exatamente qual sentimento manteriam em seus corações. A tristeza de não terem feito nada comparado a milhares daqueles existentes na cidade ou a vontade de cada dia fazer mais. Mantiveram aquele que fará ainda muita diferença.
Orgulho? Que orgulho teriam se com o quê comumente resta do restaurante mais o resto do dinheiro e com a força que restou ao fim de semana, puderam saciar a fome de poucos necessitados? De resto já estão fartos. Precisam de mais. Nós precisamos de mais. Enquanto o homem se enganar pensando que quanto mais se tem mais se deve ganhar, acumular-se-ão, dia após dia, mais e mais humanos desejando viver como nossos cães. Portanto, não façamos da ajuda àqueles que menos têm uma moda, que aos olhos é tão belo, mas ao fim da estação se acaba. Empenhemos mente e coração na busca de, senão uma solução, uma melhora na vida do nosso próximo.